O Ministério da Fazenda superdimensionou a vitória que obteve no Superior Tribunal de Justiça (STJ) sobre a tributação de incentivos fiscais de ICMS e, segundo especialistas, a arrecadação deve ficar bem abaixo dos R$ 70 bilhões anunciados pelo ministro Fernando Haddad no dia do julgamento – em 26 de abril.
Na manhã desta segunda-feira foram disponibilizados pela Corte o inteiro teor da decisão e os votos dos ministros. Fica claro, nesses documentos, que existe um limite para a cobrança de Imposto de Renda (IRPJ) e CSLL.
A pretensão do governo era liberar da tributação somente as subvenções de investimento. São os casos em que a empresa assume uma contrapartida ao receber o benefício do Estado (construção ou ampliação da fábrica, por exemplo).
Sustentou dessa forma no STJ e, no fim do julgamento, em 26 de abril, afirmou que havia sido atendido. Dali em adiante, portanto, benefícios e incentivos concedidos para custeio (sem contrapartida) – que são maioria no mercado – passariam a ser tributados.
O acórdão e os votos publicados nesta segunda-feira estão dizendo, no entanto, que a Lei Complementar nº 160, de 2017, equiparou subvenção de investimento e subvenção de custeio e previu requisitos para que as empresas não sejam tributadas.
Consta na norma que os ganhos com os incentivos têm de ser “registrados em reserva de lucros”. Significa que só podem ser utilizados na própria empresa ou para abater prejuízo fiscal. Não é permitido, por exemplo, distribuir aos sócios como dividendos ou juros sobre capital próprio.
Em outras palavras: se cumprir os requisitos não pode ser tributado; se não cumprir, pode.
O ministro Benedito Gonçalves, relator do tema na Corte, deixa isso claro em seu voto. “Nada impede que seja acolhida a pretensão dos contribuintes a fim de proporcionar a aplicação do artigo 10 da Lei Complementar nº 160, de 2017”, ele diz.
Frisa, ainda, que “a dedução dos benefícios fiscais estará franqueada aos contribuintes que atendam os requisitos estabelecidos em lei”.
O ministro Mauro Campbell Marques, que também disponibilizou voto, vinha defendendo esse entendimento nos julgamentos sobre o tema na 2ª Turma do STJ e repetiu agora.
“Quando a Lei Complementar nº 160/2017 equiparou todos os incentivos e benefícios fiscais ou financeiros-fiscais de ICMS (típicas subvenções de custeio ou recomposições de custos) a subvenções para investimento o fez justamente para afastar a necessidade de se comprovar o que foram estabelecidos como estímulo à implantação ou expansão de empreendimentos econômicos. Não fosse isso, a equiparação legal seria inócua”, diz no voto publicado nesta segunda-feira.
Cabe à Receita Federal, nesse caso, fiscalizar e autuar se verificar que os requisitos não foram cumpridos pelos contribuintes.
A Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) e o Ministério da Fazenda foram procurados para se manifestar sobre a decisão do STJ e também sobre a arrecadação prevista com essa limitação, mas não haviam dado retorno até a publicação da reportagem.
A tributação dos incentivos fiscais vinha sendo considerada pela área econômica como uma das principais medidas para ajustar as contas públicas e viabilizar o novo arcabouço fiscal.
Entenda
A 1ª Seção do STJ julgou em caráter repetitivo, ou seja, com efeito vinculante para todo o Judiciário, se a União poderia cobrar IRPJ e CSLL sobre os ganhos obtidos com os benefícios que são concedidos pelos Estados.
Trata-se, aqui, dos valores que as empresas deixam de repassar aos cofres estaduais. Uma companhia que devia R$ 100 mil de ICMS, mas por ter direito à redução de base, por exemplo, pagou somente R$ 60 mil. A discussão, no STJ, é se a diferença – de R$ 40 mil – pode ser considerada lucro e tributada pela União.
Havia duas discussões na mesa. Uma tratava sobre pacto federativo. O STJ firmou entendimento, em 2017, em relação aos créditos presumidos (uma modalidade de incentivo fiscal de ICMS). Disse que, ao tributar, a União estaria esvaziando um benefício concedido por Estados, o que não seria permitido.
O julgamento, desta vez, diria se esse mesmo entendimento – contra a tributação por violar o pacto federativo – poderia ser aplicado aos demais tipos de incentivo concedidos pelos Estados: redução de base de cálculo, redução de alíquota, isenção e diferimento, dentre outros.
A resposta, no dia 26 de abril, foi não. Ou seja, a União, ao tributar os demais tipos de benefício, não estaria violando o pacto federativo. Em relação a essa resposta, especificamente, Fisco obteve vitória no STJ.
Desde o dia do julgamento, no entanto, governo e advogados de empresas divergiam sobre a interpretação do julgamento relacionado à segunda discussão que estava na mesa, em torno da Lei Complementar nº 160, de 2017 – que promoveu mudanças no artigo 30 da Lei nº 12.973, de 2014.
Antes dessa alteração havia uma separação entre subvenção de investimento, quando a empresa assume contrapartida ao receber o benefício, e subvenção de custeio, em que não há contrapartida.
O texto anterior dizia que, no caso de subvenção de investimento, a União não poderia tributar. Depois, com a mudança, passou a constar no artigo 30 da lei que “incentivos e benefícios fiscais ou financeiro-fiscais concedidos pelos Estados e pelo Distrito Federal são considerados subvenções para investimento”.
Os contribuintes entenderam que deixou de existir diferença entre os benefícios de ICMS e, por esse motivo, nada mais poderia ser tributado. A Receita Federal, porém, continuou insistindo que só não poderia ser tributado o incentivo como estímulo à ampliação do empreendimento econômico.
Caberia à 1ª Seção do STJ, então, dizer qual dos dois têm razão: os contribuintes ou o Fisco.
Assim que o STJ encerrou o julgamento, no dia 26 de abril, o ministro Fernando Haddad declarou vitória. Disse que os ministros concordaram com a União nas duas discussões: não há violação ao pacto federativo e só não poderia tributar benefícios com contrapartida.
Já os advogados afirmavam que os contribuintes haviam vencido essa discussão e que uma minoria de contribuintes seria atingida.
Fonte: Valor Econômico