RIO – As vendas no varejo tiveram uma queda forte de 6,1% em dezembro do ano passado, na comparação com novembro, frustrando expectativas.
Embora no acumulado de 2020 o comércio tenham registrado alta de 1,2% num ano marcado pela pandemia, o setor está longe de se recuperar da crise. O resultado divulgado ontem pelo IBGE reflete a montanha-russa vivida pelo setor no ano passado.
Este ano, a queda livre continua. Indicadores de janeiro apontam que o consumo continua em baixa. Para analistas, o setor só deve reagir a partir do segundo semestre, com o avanço da vacina e possíveis novas medidas do governo para enfrentar a crise.
No curto prazo, melhora só com a retomada do auxílio.
Boletos chegam com caixa ainda fraco
Um dos agravantes da situação desfavorável no início do ano é que os comerciantes têm que começar a pagar dívidas feitas no ano passado sem ainda ter recuperado caixa. Com a segunda onda da pandemia, muito menos gente circula no comércio.
Um levantamento realizado pelo Sebrae, em novembro, mostra que pelo menos 4% dos pequenos negócios não aguentaram e fecharam as portas no país em janeiro. No Rio, esse número sobe para 5%.
Sérgio Obeid, dono da loja de roupas Obeland, no Centro do Rio, teve de adotar diversas medidas ao longo de 2020 para conseguir manter seu negócio, como a redução de 70% da jornada de trabalho e salário de funcionários permitida pela medida provisória (MP) 936, que expirou em dezembro.
Agora, sem o alívio na folha de pagamentos, ele sente a queda no seu faturamento. Para o comerciante, a continuação de programas assistenciais do governo ajudaria estebelecimentos como o dele.
“O auxílio emergencial movimenta a economia. As pessoas recebem o dinheiro e vão para o consumo. Isso gira a economia como um todo. Acho que a manutenção dos programas do ano passado já seria suficiente”, diz Sérgio Obeid, lojista.
O gerente da pesquisa do IBGE, Cristiano Santos, afirmou que o resultado do varejo em dezembro é um reposicionamento natural de desempenho do setor, já que o patamar estava muito alto com a recuperação das vendas em outubro e novembro.
No momento em que houve alguma flexibilização das medidas de isolamento, o comércio chegou a ultrapassar o patamar pré-pandemia, de fevereiro. Agora, mergulha de volta na crise.
Números de janeiro apontam queda mais forte
Os dados do IBGE para o varejo em janeiro só serão divulgados no mês que vem, mas, bancos e consultorias já trabalham com prévias bem negativas.
O Índice Getnet de Vendas do Comércio Varejista Brasileiro (iGet), desenvolvido pelo Santander em parceria com a Getnet, empresa de meios de pagamentos controlada pelo banco, apontaram queda de 12,6% e de 10,9% em janeiro no varejo restrito e no ampliado, respectivamente, descontados os valores sazonais.
A Confederação Nacional do Comércio (CNC) revisou de 3,9% para 3,5% sua expectativa quanto ao crescimento das vendas em diante do quadro do fim do ano e da inflação ainda elevada.
Também pesa na conta a perspectiva de alta nos juros pelo Banco Central e a indefinição quanto à retomada da auxilio emergencial em 2021.
Segundo o vice-presidente de Finanças da Getnet, Gustavo Bahia, os números reforçam as previsões de que as vendas sofreriam os efeitos do fim do auxílio emergencial, que desacelerou o consumo das famílias.
Nos últimos quatro meses do ano, o benefício de R$ 600 foi reduzido para R$ 300 mensais, o que já impactou os números do comércio.
“Alguns fatores poderão contribuir para reversão deste cenário, como o avanço da vacinação, o fim das restrições a atividades e um possível retorno de incentivos fiscais que está em discussão”, avalia Gustavo Bahia, da Getnet
Para analistas, reação só no 2º semestre
Analistas esperam uma reação do comércio no segundo semestre, mas avaliam que, até lá, só uma retomada do auxílio poderá impulsionar o varejo, além de reformas e incentivos pontuais a setores específicos.
Lisandra Barreto, economista da XP Investimentos, acredita que o maior desafio para o comércio é este primeiro trimestre de 2021. Para ela, microreformas ensaiadas pelo governo para estimular empregos, como desburocratizar e reduzir custos de contratações seriam bem-vindas.
“O que sustentou (o varejo) no ano passado foi a manutenção de renda e outros estímulos. Para 2021 como um todo, porém, ainda temos um cenário de recuperação, por causa do ciclo de normalização, da vacinação em grande escala e da retomada gradual do emprego”, diz Lisandra Barreto, da XP
A XP Investimentos antecipou de agosto para maio sua previsão de alta da taxa da Selic, que está atualmente em 2%. Antes, a projeção da corretora era de uma alta para 3%. Agora, prevê 3,5%.
Varejo depende de ‘empurrão’ do governo
O Itaú Unibanco espera que os dados de janeiro venham levemente melhores, seguidos por desaceleração em fevereiro e março.
O motivo, segundo o economista do banco Luka Barbosa, é que as taxas de juros ainda baixas favorecem o crédito, compensando parte do efeito do fim do auxílio. O Itaú espra que os juros subam para 2,25% já em março.
Para o economista do Itaú, a retomada do auxílio emergencial não é o melhor caminho para estimuar a economia por causa do impacto fiscal. Ele sugere a retomada de reformas como a melhor saída:
— Em uma nova rodada do auxílio, talvez as pessoas tenham mais dinheiro em mãos. Por outro lado, a dívida pública vai subir, o que pode trazer um cenário de juros altos, e isso vai afetar negativamente o crédito.
“O melhor seria fazer reformas, porque abriria espaço nos gastos obrigatórios e reduziria a dívida. Assim, os juros poderiam ser mantidos em um patamar mais baixo”, diz Luka Barbosa, do Itaú Unibanco
Claudio Considera, pesquisador associado do Ibre/FGV, concorda que o governo precisa evitar o desequilíbrio das contas públicas, mas vê o auxílio emergencial como um elemento importante neste momento para a atividade econômica se o governo conseguir encontrar brechas fiscais:
— O crescimento da economia e do comércio não será espontâneo. O governo tem que dar um empurrão.
FONTE: O Globo