Mesmo com o desempenho aquém do esperado do comércio em novembro, o descompasso entre consumo e produção se manteve elevado, tendência que marcou o ano de 2019. Enquanto, nos últimos 12 meses terminados em novembro, o varejo ampliado, que inclui automóveis e material de construção, comemorou vendas 3,6% maiores, a produção da indústria de transformação amargou queda de 0,3%.
No acumulado do ano, a alta das vendas é de 3,8%, ao passo que a indústria manufatureira praticamente andou de lado, ao subir 0,1%. Tomando como ponto de partida o período anterior à crise, o descolamento é ainda mais latente. Segundo cálculos de Fabio Ramos, economista do UBS – que usa como referência os anos de 2012 a 2014 -, o comércio já cresceu quase 15% em relação à média desses três anos. Já o crescimento da indústria na mesma comparação não chega a 5%.
Para os economistas, o varejo tem se beneficiado da ampliação do crédito para famílias, que limparam seus orçamentos nos últimos anos e, com a queda dos juros, voltaram a se endividar, e também estão mais confiantes sobre a manutenção de seus empregos. Do lado da indústria, pesou negativamente a piora do cenário global e, principalmente, a crise da Argentina, que derrubou as exportações brasileiras de manufaturados.
Há, também, quem avalie que a indústria nacional perdeu capacidade de reagir a recuperações da demanda, prejudicada pelo longo período de queda dos investimentos. Neste ano, a reação cíclica prevista para a economia deve ajudar a produção a crescer mais, mas a expectativa é que a atividade do comércio ainda avance mais do que a industrial.
“Essa não é uma questão de hoje, embora a indústria siga com baixa competitividade”, diz Almeida, para quem o setor já tinha “distorções” mesmo antes da recessão, quadro que piorou com a recessão. “A indústria brasileira já era velha antes da crise e, depois dela, envelheceu mais. Paramos de investir e perdemos passo na questão da inovação”, disse. Por isso, avalia ele, a indústria hoje pouco reage aos estímulos à economia. “O estímulo para crescer é o mesmo que o do varejo, que são o juro e o crédito. Mas a indústria está inerte.”
Economista-chefe da MB Associados, Sergio Vale afirma que o consumidor voltou às compras, mais confiante sobre o mercado de trabalho, com a melhora da geração de empregos formais. Neste ano, a queda dos juros foi um incentivo a mais para o consumo, mas o varejo tem mostrado um padrão mais consistente de retomada desde 2016, enquanto a indústria patina.
Ramos, do UBS, destaca que, tendo como base os três anos que antecederam a recessão, há uma diferença de dez pontos entre o desempenho do varejo e o da indústria. Segundo ele, o comércio está indo bem porque as famílias limparam seus orçamentos nos últimos anos e, agora, estão voltando a se endividar, mesmo com o desemprego ainda relativamente elevado. “O comprometimento da renda não é tão alto. As pessoas já começam a contratar mais crédito e a comprar mais bens duráveis.”
Na outra ponta, indicadores antecedentes sinalizam que a produção industrial recuou 2,7% em dezembro, na comparação com igual mês de 2018, diz Vale, que projeta redução de 1,2% para a atividade da indústria na média do ano passado. Para este ano, a estimativa é de expansão de apenas 0,9% da produção, frente alta de cerca de 4% para o varejo ampliado.
Para 2020, o UBS espera alta de 2,5% do PIB brasileiro, reação que deve puxar alguma retomada na indústria, mas ainda aquém do desempenho do comércio.
Fonte: Valor Online